Por um Marxismo Autogestionário
O fracasso do total da socialdemocracia, engolida pelo
neoliberalismo e reduzida a ala esquerda do mesmo com o seu microrreformismo, e
do bolchevismo, decadente desde a crise do capitalismo estatal, é um momento
que a retomada do marxismo se torna ordem do dia. A socialdemocracia e o
bolchevismo (“marxismo”-leninismo) não foram superados? A superação teórica da
socialdemocracia data do início do século 20 e a do bolchevismo alguns anos
depois, enquanto que a superação prática ainda se concretizou totalmente, mas
se iniciou com a ascensão do neoliberalismo e fracasso do capitalismo de Estado.
No entanto, socialdemocracia e bolchevismo, como já colocava o historiador
Arthur Rosenberg, nada tem a ver com o marxismo e a derrocada dessas ideologias
e suas instituições (especialmente os partidos da pseudoesquerda) abrem espaço
para a retomada do marxismo autêntico.
O marxismo autêntico surgiu com as obras de Marx e Engels,
aproximadamente na metade do século 19, ainda durante o regime de acumulação
extensivo, sendo sua primeira fase de desenvolvimento. Já na época próxima a
morte de Marx e recuo do movimento operário após a derrota da Comuna de Paris, emergindo
o regime de acumulação intensivo, temos o marxismo resiliente de Marx
convivendo com o nascimento do pseudomarxismo da socialdemocracia. Esta, após a
morte de Marx e inicialmente com a colaboração de Engels, será a tendência
hegemônica e supostamente “ortodoxa”, o que durará até a primeira crise do
regime de acumulação intensivo. O que havia de mais próximo do marxismo era a
dissidência no interior da socialdemocracia, representada pelos tribunistas
holandeses (Holand-Host, Pannekoek, Gorter), Rosa Luxemburgo e seus aliados na
Alemanha (que posteriormente formariam a Liga Spartacus), entre outros. O
marxismo autêntico sobreviveria, nessa época, marginalmente, com indivíduos
afastados (como Antonio Labriola) ou críticos e opositores da socialdemocracia
(Makhaïsky).
A crise do regime de acumulação intensivo que gera a
primeira guerra mundial marca um avanço no sentido de superação da
socialdemocracia, emergindo as diversas tendências do “socialismo radical”, na
qual as tendências representadas pelo espartaquismo (Rosa Luxemburgo, Karl
Liebnecht, Leo Jogiches, Franz Mehring, etc.), o comunismo internacionalista
(Otto Rühle e outros) e Esquerda de Breme (Pannekoek, Gorter e outros) são
aqueles que retomam vários aspectos do marxismo e avançam para a retomada do
marxismo autentico, que, no entanto, só ocorrerá efetivamente alguns anos
depois. A emergência do bolchevismo e do golpe de estado de 1917 na Rússia abre
uma nova hegemonia no pseudomarxismo. A nova ortodoxia, herdeira e substituta
da socialdemocracia, no fundo partilhava seus elementos essenciais, só que com
maior “radicalismo” discursivo e com estratégia insurrecionalista ao invés de
eleitoral, o que permitiu, principalmente por falta de informações sobre o que
ocorria no primeiro país capitalista estatal, uma ação conjunta. A Revolução
Alemã e a tentativa de uma nova hegemonia (“ortodoxia”), a do bolchevismo (que
vai desembocar na bolchevização dos partidos comunistas) abriu o momento para
finalmente haver um ressurgimento do marxismo autêntico, através da ruptura dos
“comunistas de conselhos” (Pannekoek, Rühle, Gorter, Wagner, Mattick, etc.) com
os bolcheviques, “comunistas de partido”. Nesse mesmo momento, a esquerda extraparlamentar
inglesa com Sylvia Pankhurst e outros também rompiam com o bolchevismo e
colaboravam nessa retomada do marxismo.
A derrota do movimento revolucionário do proletariado na
Rússia, Alemanha, Hungria, Itália, entre outros países, promoveu um recuo do
marxismo autêntico no plano da luta política, embora o comunismo de conselhos
tenha se preservado através de diversos grupos políticos e produção
intelectual. A ascensão do nazifascismo, no entanto, acabou obliterando o
marxismo autêntico na Europa Ocidental e o bolchevismo acabou saindo como a
grande expressão do marxismo através de sua deformação e transformação em
ideologia legitimadora do capitalismo estatal nacional russo, que culmina com o
stalinismo e seu irmão gêmeo supostamente opositor, o trotskismo. A Segunda
Guerra Mundial foi o final desse capítulo da história e o regime de acumulação
conjugado, emergente após isto, promoveu uma estratégia de manutenção do
capitalismo através dos grandes oligopólios transnacionais que dividiu a classe
operária mundial, garantido, graças à superexploração do proletariado do
capitalismo subordinado (“terceiro mundo”), a estabilidade do capitalismo
imperialista através de transformação dos sindicatos em aparatos do capital e
elevação dos níveis salariais e de consumo (graças, além da exploração
internacional, do fordismo, produção em massa, sistema de crédito, etc.). O
marxismo autêntico se manteve vivo graças à colaboração teórica do comunismo
conselhista (Pannekoek, Mattick, Korsch), mas sem grande ressonância nas lutas
sociais, bem como em posições ambíguas, tal como o situacionismo e outras. A
crise do regime de acumulação conjugado contribuiu para uma retomada parcial do
marxismo autêntico, tanto no sentido de retomar a radicalidade do pensamento de
Marx quanto dos comunistas de conselhos, além de outras contribuições
marginais.
A ascensão do neoliberalismo e derrocada do capitalismo
estatal, a partir da emergência do regime de acumulação integral, enfraqueceram
bastante as duas principais formas de deformação do marxismo, o pseudomarxismo
socialdemocrata e bolchevique. Isso abriu espaço para retomado, mesmo que
parcial e ambígua, muitas vezes de forma dogmática ou eclética, do marxismo
autêntico. É nesse momento que começa a emergir uma nova fase do marxismo
autêntico, que retoma as contribuições fundamentais de Marx, do comunismo de
conselhos e outros intelectuais, grupos, militantes, que foram marginalizados,
colocando como centro da teoria marxista o projeto autogestionário. Assim, o
marxismo autogestionário é a forma atual e contemporânea de manifestação do
marxismo autêntico. Sem dúvida, o marxismo sempre foi autogestionário, apesar
das falsificações ideológicas que tentaram lhe retirar esse caráter. Contudo, a
síntese atual do marxismo com a retomada desse caráter autogestionário, com sua
atualização e foco no projeto de sociedade futura para lhe distinguir de todas
as deformações do marxismo que buscam, quando buscam, apenas a reforma do
capitalismo. Não se trata de lutar por um capitalismo reformado, seja com “estado
de bem estar social” (uma impossibilidade no capitalismo contemporâneo) ou
capitalismo estatal, ou qualquer outra proposta que não abole o capital e seus
aparatos de reprodução (tal como o Estado) e sim pela autogestão social. Por
isso é o momento do marxismo autogestionário, a forma contemporânea do marxismo
autêntico. Então é hora de consolidar, tanto na teoria quanto na prática, o
marxismo autogestionário, a expressão teórica do movimento revolucionário do
proletariado na época contemporânea, uma era que anuncia uma nova crise do
capitalismo e a possibilidade da revolução proletária e emancipação humana.
Editorial da Revista Marxismo e Autogestão, ano 01, vol. 01, num. 02, 2014:
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