domingo, 12 de julho de 2015

Marx segundo Korsch - Resenha do livro “Karl Marx”, de Karl Korsch*

Marx segundo Korsch
Resenha do livro “Karl Marx”, de Karl Korsch*
Paul Mattick


Com marcante distinção a respeito de muitas outras interpretações de Marx, este livro se concentra nos fundamentos essenciais da teoria e prática marxistas. O autor reafirma “os princípios e conteúdos mais importantes da ciência social de Marx à luz dos acontecimentos históricos recentes e das novas necessidades teóricas que têm surgido pelo impacto destes acontecimentos”. O livro não foi publicado para agradar ao curioso, nem corresponde ao interesse de nenhum grupo particular. Apesar de sua densidade e objetividade, é uma ferramenta teórica útil para as aspirações da classe proletária; ao resenhá-lo, não podemos fazer nada melhor que indicar, embora inadequadamente, sua riqueza e seu valor.

O livro se divide em três partes: Sociedade, Economia Política e História. O marxismo é declarado “a genuína ciência social do nosso tempo” e sua superioridade em relação à ciência pseudossocial da burguesia é demonstrada ao longo do livro.

Captar o princípio da especificidade histórica em Marx é da maior importância para a compreensão do fenômeno social. Marx usa os conceitos econômicos, sociais e ideológicos “apenas quando necessário para seu tema principal, ou seja, o caráter específico assumido por eles na moderna sociedade burguesa”. As chamadas “ideias gerais” sempre tem que ter um elemento histórico específico. Por exemplo, o falso conceito idealista da evolução tal como é aplicado pelos teóricos sociais burgueses

está     fechado por ambos os lados, e em todas as formas passadas da sociedade apenas se redescobre a si mesmo. O princípio marxista do desenvolvimento é, inversamente, aberto por ambos os lados. Marx define a nova sociedade comunista que surge da revolução proletária não apenas como uma forma mais desenvolvida do que a sociedade burguesa, mas como um novo tipo que não pode ser explicado por meio de nenhuma das categorias burguesas.

É necessário, especialmente hoje, reafirmar esta posição marxista, deixando claro, ao considerar a literatura recente sobre socialismo, que simplesmente imagina a sociedade socialista como uma forma modificada de capitalismo e, usando diferentes nomes, transfere todas as categorias capitalistas à “nova” sociedade.

O princípio da especificidade histórica, tal como utilizado por Marx, não exclui um grau necessário de generalização. Contudo, leva a um novo tipo de generalização. Com Marx,

o “geral” do conceito já não se coloca confrontado à realidade concreta como em outro reino, senão com todo o geral, incluso em sua forma conceitual, permanecendo necessariamente como um aspecto específico ou uma parte mentalmente fragmentada do concreto histórico da existente sociedade burguesa.

A atual tagarelice popular sobre a “metafísica do materialismo dialético”, embora não seja tratado por Korsch, é não obstante contestado por ele quando assinala que

se Marx, de fato, partiu de uma inversão crítica e revolucionária dos princípios inerentes ao método de Hegel, certamente continuou desenvolvendo, de uma maneira estritamente empírica, os métodos específicos de sua própria crítica e investigação materialistas.

O entusiasmo dos últimos dos críticos do “senso comum” é o que tem menos justificação, enquanto que a teoria marxista,

trata todas as ideias como estando conectadas com uma época histórica definida e com uma forma de sociedade específica que pertence a tal época, se reconhece a si mesma como nada mais do que um produto histórico, como qualquer outra teoria que pertence a uma fase definida do desenvolvimento social e a uma classe social definida.

A segunda parte do livro aponta de início que “a Economia Política, que trata da fundamentação material do Estado burguês existente, é, para o proletariado, o primeiro e mais destacado inimigo”. O autor descreve a história do pensamento econômico burguês de modo bastante conciso e mostra porque qualquer “desenvolvimento genuíno da Economia Política foi excluído pelo desenvolvimento histórico real da sociedade burguesa”. A crítica de Marx à Economia Política não era, como se assume frequentemente, um desenvolvimento superior da ciência econômica burguesa, mas a teoria de uma revolução iminente. As diferenças entre os conceitos econômicos clássicos e os marxistas são demonstradas da maneira bastante esclarecedora e mostra que os avanços marxistas

da teoria econômica clássica são importantes, não por seu puro avanço formal sobre o conceito clássico, mas por sua transferência clara e decidida do pensamento econômico do campo da troca de mercadorias e das concepções legais e morais do bem e do mal que dela se originam, ao campo da produção material tomado em sua plena significação.

Pensamos que os melhores capítulos do livro são aqueles dedicados ao fetichismo das mercadorias e a Lei do valor. O autor mostra novamente que: “as ideias e princípios mais gerais da Economia Política são meros fetiches que mascaram as relações sociais efetivas, prevalecentes entre os indivíduos e as classes dentro de uma época histórica definida da formação socioeconômica”, e indica ademais que a exposição teórica do caráter fetichista das mercadorias é “não somente o núcleo da crítica da economia política marxista, mas ao mesmo tempo a quintessência de sua teoria econômica do capital e a definição mais explícita e mais exata do ponto de partida teórico e histórico de toda a ciência materialista da sociedade”. Esses capítulos estão condensados com tal destreza, sem com isso perder clareza, que fazem inútil qualquer intenção de reiteração. Os pensamentos não podem expressar-se em uma linguagem mais precisa e efetiva e unicamente podemos nos limitar a dizer que o autor vê a tarefa do proletariado revolucionário como “a destruição final do fetichismo mercantil capitalista mediante uma organização social direta do trabalho”. A importância da atual organização social do trabalho, que é ocultada sob as relações de valor manifestas nas mercadorias, é demonstrada fazendo referência às atuais intenções ilusórias de “planificação” capitalista, que só pode perturbar ainda mais a “ordem” que é peculiar ao capitalismo e foi produzido pelas necessidades cegas da fetichista lei do valor.

Outro capítulo expõe as más interpretações comuns da doutrina marxista do valor e do mais-valor, e é muito oportuna devido aos novos ataques lançados pelo “liberalismo” em torno ao caráter “acientífico” da teoria econômica marxista. Pois se argumenta, uma e outra vez, que a teoria do valor de Marx deve estar equivocada dado que aborda o problema exclusivamente do lado da oferta e é, por conseguinte, incapaz de abordar o problema dos preços reais. Contudo, Korsch afirma que

Nunca foi a intenção de Marx derivar da ideia geral do valor, tal como foi exposta no primeiro volume de O Capital, por meio de determinações cada vez mais estreitas até uma determinação direta do preço das mercadorias. A importância particular da lei do valor dentro da teoria de Marx não tem nada a ver com uma fixação direta dos preços das mercadorias por seu valor.

As diversas exposições dos economistas burgueses, tentando provar discrepâncias entre a lei do valor e das constelações efetivas dos preços, discrepâncias devidas, segundo creem, à “unilateralidade” do conceito de valor de Marx, estão inteiramente fora do lugar. E é bastante divertido notar que a aplicação de Marx da lei do valor à força de trabalho é rechaçada com o argumento da flexibilidade dos salários, um argumento que só demonstra que esses economistas burgueses desconhecem a posição de seu oponente. De acordo com Marx: “não há nenhuma relação econômica ou racionalmente determinável entre o valor e as novas mercadorias produzidas pelo uso da capacidade viva do trabalho na fábrica e os preços pagos por este trabalho a quem a vendem”.

 A última parte do livro trata da concepção materialista da história. Embora tenha uma origem filosófica, Korsch aponta que a ciência materialista de Marx, “sendo uma investigação estritamente empírica de formas históricas e definidas de sociedade, não necessita um suporte filosófico”. Descrevendo o desenvolvimento científico de Marx, mostra que “já em 1843, se tornara claro para Marx que a Economia Política era a chave de toda a ciência social”. No lugar do eterno desenvolvimento da “Ideia”, Marx colocou o desenvolvimento histórico real da sociedade sobre a base do desenvolvimento do modo de produção material. Em um capítulo que trata da relação entre Natureza e Sociedade, Korsch mostra que

como com todas as demais inovações incorporadas na nova teoria materialista, a extensão metódica por parte de Marx, da sociedade a expensas da natureza, é demonstrada principalmente sobre o campo da ciência econômica.

Depois de esclarecer vários conceitos marxistas, tais como a relação entre forças produtivas e relações de produção e base e superestrutura da sociedade, Korsch explica o que Marx queria dizer ao afirmar que “o verdadeiro limite histórico da produção capitalista é o próprio capital”, e que somente a revolução proletária, ao alterar as relações de produção, pode assegurar o desenvolvimento progressivo ulterior das forças sociais da produção.

Mas embora estejamos de acordo em grande medida com esta interpretação de Marx, não podemos nos abster de comentar que a sua grande clareza e coerência revolucionária ao tratar do pensamento de Marx fica atenuada no momento em que aborda os acontecimentos revolucionários mais recentes e suas características. Por exemplo, o deslocamento da ênfase entre as formulações mais iniciais e as mais tardias dos princípios materialistas por parte de Marx, do fator subjetivo da luta de classes revolucionária a seu desenvolvimento objetivo subjacente está, na interpretação de Korsch, causado porque os desenvolvimentos efetivos impõem uma mudança de atitude. “De maneira similar”, diz, “o marxista revolucionário Lênin confrontou-se com as tendências revolucionárias ativistas dos comunistas de esquerda de 1920 que, em uma situação objetivamente alterada, aderiram às palavras de ordem da situação revolucionária direta provocada pela Grande Guerra”.

Esta defesa tardia do panfleto oportunista e bastante pueril de Lênin, O Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo, que foi escrito para assegurar o controle russo sobre o movimento operário internacional para o interesse específico da Rússia e seu Partido Bolchevique, não pode mudar o fato de que a “mudança de lado” de Lênin não foi o resultado de uma consideração sóbria de uma situação alterada, pois não significou nenhuma mudança real. Este panfleto de Lênin mantinha a posição que sempre teve diante da oposição revolucionária de setores do proletariado da Europa ocidental. Esta posição era a mesma que possuía também durante o tempo que, segundo Korsch, era objetivamente revolucionário. Era a posição da socialdemocracia dos tempos de pré-guerra, que Lênin nunca abandonou mentalmente, mas só organizativamente. Está entrelaçada com a posição do revolucionário burguês russo e em estrita oposição a todos os princípios revolucionários específicos da classe trabalhadora antes, durante e depois da Grande Guerra. Estava em estrita oposição, também, aos princípios marxistas, esquecidos tanto pelos socialistas como pelos bolcheviques e que, reafirmados aqui, fazem desta obra, goste ou não seu autor, uma arma contra o Lênin “marxista”.





* KORSCH, Karl. Karl Marx. Londres, London School Of Economics, 1938. Tradução de Jaciara Reis Veiga.

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